domingo, 16 de agosto de 2009

ANILZA LEONI




Li hoje que Anilza Leoni tinha morrido. Apesar de a internet já ter anunciado isso desde o dia 07/08, eu e a minha velha mania de ler jornais acumulados fomos sendo informados da notícia a conta gotas... primeiro li no Ancelmo Góis (O Globo) que ela estava internada em estado grave. E, depois, na seção obituária, que morrera em 06/08.


Conheci Anilza em 1973. Eu tinha oito anos e ela frequentava a casa da minha tia Nina, que era casada com Nilo Chagas, integrante do Trio de Ouro, com Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. A minha família sempre foi ligada em música. Um primo meu, de nome Marcos, casou com uma das filhas de Ataulfo Alves. Meus primos todos gravaram compactos e LPs, um deles até fez relativo sucesso cantando em inglês no grupo Manchester, com a canção "My dear", que foi tema de Betty Faria na novela Duas Vidas, em 1976... De modo que, tanto a minha casa, como a de meus parentes, eram um verdadeiro entra e sai de artistas, além dos já citados, The Fever's, Renato e seus blue cap's e outros. Acho até que Carlos Imperial e Simonal já andaram por lá também.


Para quem não se lembra ou nunca ouviu falar de Anilza Leoni, ela começou a carreira como vedete, na década de 50. Seu último trabalho na tv foi em uma participação especial em Casos e Acasos, que por acaso tive a oportunidade de ver. Talvez o seu trabalho mais conhecido tenha sido em A gata comeu, de 1985, da Rede Globo. Era extremamente bonita e delicada (como pode ser verificado nos vídeos postados aqui e nas fotos, reparem que em um deles, "Você é de morte", de 1960, em que ela canta um rock com Ankito, Simonal aparece como figurante no conjunto logo atrás da dupla) por isso, foi eleita como uma das Certinhas do Lalau por 3 vezes, isso em uma época que não havia retoques cirúrgicos nem virtuais para tornar as mulheres belas. Ou se era ou não. Lalau era o apelido do jornalista e humorista Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), que inspirado numa frase do pai, que quando considerava uma cidadã jeitosa, exclamava: "Olha só que moça mais certa!" criou "As certinhas do Lalau", durante 1954 a 1968, tendo eleito 142 "certinhas". Dentre elas, Anilza.


Em 1973 eu adorava fazer o símbolo do paz e amor para desconhecidos na rua e para quem aparecesse na minha frente. Minha mãe não gostava nada da idéia e me dava beliscão em cima de beliscão. Ela dizia que não sabia de onde eu tinha tirado aquilo, que só podia ser da tv. Mas eu via outras coisas na tv e não imitava. E sempre gostei do paz e amor.


Acontece que a era Médici não era muito chegada em paz e amor. Eu nem fazia idéia do perigo que corria quando colocava o dedo em V como uma hippie no meio da rua. Alguns me correspondiam no gesto. Outros riam, desconcertados. Alguns ficavam sérios e outros me fuzilavam com os olhos. De modo que minha mãe me proibiu de fazer o tal gesto...


Quando Anilza e seu marido, Álvaro, apareceram na casa da minha tia eu fiquei na minha com relação ao gesto do paz e amor. Mas desandei a mostrar outras facetas do meu lado "vai ser gauche na vida" drummondiano: falei que era fã de Vianinha, dos Secos e Molhados e da canção Gita, de Raul Seixas.


O marido de Anilza era um chato. Vivia me reprimindo. Dizia que eu deveria era gostar de cantores de verdade como Tito Madi. Que Raul Seixas e Secos e Molhados eram transviados e Vianinha, terrorista, comunista. Eu não sabia o que era transviado, nem terrorista, nem comunista. Mas pensava que se eles eram isso, devia ser coisa boa. E não fazia idéia de quem era Tito Madi. E dizia assim pro Álvaro Leoni: "Ah, mas o Secos Molhados e Vianinha são um barato!"


Álvaro ficava com os cabelos em pé. Dizia pro meu pai que barato era coisa de drogado. Que eu era uma criança muito da esquisita. E por aí vai... Ele não ia muito com a minha cara. Anilza não era de falar muito. Nunca entendi porque ela tinha casado com um cara tão chato. Ela era toda gentil. Todos a tratavam como uma rainha na casa da tia Nina, ela tomava muito café e fumava, silenciosa. De vez em quando olhava pra mim e sorria, quando eu falava as minhas loucuras precoces. Ela gostava de poesia e me deu uns poemas pra ler um dia. Verdade seja dita, da família, eu fui a única que mereceu a atenção dela. Depois do meu primo, claro, com o qual ela gostava muito de conversar. Primo Carlos, já falecido. Descobri depois que ele era apaixonado por ela. Depois da sua morte, herdei uns livros dele e, dentre eles, um de Paul Valèry cujos poemas traziam o nome de Anilza. Li algumas cartas dele pra ela também...


Mas o que interessa aqui é escrever que a Anilza me ajudou um dia. Apesar da proibição da minha mãe de eu fazer o tal Paz e Amor pras pessoas, eu continuava a fazer isso escondido. Meu ponto preferido para a difusão dso sinal era na casa da minha tia, sentada em cima do muro. Para os passantes, eu mandava o sinal com os dedos. A maioria nem ousava corresponder. Mas alguns gostavam e faziam pra mim também. Isso dos 8 aos 10 anos de idade. Um belo dia, Anilza me flagrou no ato. Ela ficou meio perplexa, lembro que olhou ao redor, nervosamente. Se aproximou de mim e disse baixinho: "Não faça isso... é perigoso... e feio.". Levei um susto. Pensei que ela me entregaria. Mas ela sorriu pra mim, mais uma vez. E nunca falou nada pra minha mãe.


Por isso, fiquei triste com a morte da minha cúmplice. Nunca mais a vi, só em 1985, no enterro do meu primo. Soube pela Obituário que ela estrearia uma peça sobre Mário Quintana com Monique Lafond e Tamara Taxman, entre outros. Seus colegas de profissão escreveram: "Parece um sonho que ela tenha vivido!", inspirados na leveza de Quintana. Ela era leve, mesmo. Muito leve, leve, pousa...


Videos com Anilza no You Tube

http://www.youtube.com/watch?v=3Zsu85sMrYM&feature=related


http://www.youtube.com/watch?v=dS1OiM-4gbg&feature=related