domingo, 9 de abril de 2017

PECADO CAPITAL OU "DINHEIRO NA MÃO É VENDAVAL"



Um outro grande sucesso disponibilizado em box e que eu revi foi a novela "Pecado Capital". Lançada em 1975,  escrita às pressas depois que "Roque Santeiro", de Dias Gomes (na época, marido de Janete), foi proibido pela Censura, após vários capítulos gravados. O jeito, enquanto esperava por um novo folhetim, era reprisar o grande sucesso "Selva de Pedra", reaproveitar todo o elenco já contratado para Roque e até os cenários (a casa de Salviano era a de Porcina na novela abortada e que só viria à tona, com novo elenco, dez anos depois)!

O enredo principal - o love story - se passava no subúrbio do Méier, bairro no qual residiam José Carlos Moreno Carlão, motorista de táxi (Francisco Cuoco) e Lucinha, operária (Betty Faria). Nessa época não havia Projac e as cenas eram gravadas nas ruas, incluindo Lucinha e Emilene (Elizângela) - uma mistura de Emilinha com Marlene, porque seus pais eram fãs cada um de uma cantora diferente - andando de trem na Central do Brasil e caminhando pela estação do Méier. Houve tomadas do Jardim do Méier (lá mesmo, onde o Bispo Macedo, alguns aninhos depois, faria as primeiras reuniões da futura Igreja Universal do Reino de Deus) e do antigo Hospital Municipal Salgado Filho (onde o pai de Carlão, Raimundo (Gilberto Martinho) -  ficou internado), bem antes das obras de atualmente. Também aparece a antiga fábrica Nova América, que servia de cenário para uma das indústrias de Salviano Santiago (Lima Duarte), atualmente bastante modificada como Shopping Nova América. Eu ia na antiga comprar tecidos com a minha mãe, por essa época... Um outro bairro que aparece bastante nas cenas é Madureira, incluindo o antigo Mercadão. Boni tinha receio de os telespectadores estranharem o realismo da novela e pediu a Daniel Filho (o diretor) que regravasse tudo, mas como a aceitação foi ótima, já nos primeiros capítulos, não foi preciso. Em 75, meu povo, fusca de duas portas e sem ar era táxi.

O dilema de devolver ou não uma mala cheia de dinheiro (800 mil) encontrada no táxi de Carlão, fruto de um assalto cometido por um casal (Rosamaria Murtinho e Zanone Ferrite - precocemente falecido em 1978) e a paixão entre ricos e pobres (Silviano e Lucinha) era a espinha dorsal da novela. Na foto, Eunice e Miguel, futuros amantes e assaltante/cúmplice.


O casal protagonista também não deixou de mostrar a forma como a mulher era tratada por um homem machista, infiel, possessivo e violento. Era na base do puxão e do tapa que José Carlos se relacionava com Maria Lúcia e foi assim, sempre partindo para a ignorância, que questionou o fato de ela ser modelo da agência de Nélio (Dênis Carvalho), convidada depois de ter sido descoberta por ele  enquanto fazia filmagens para um novo comercial da empresa de Salviano (Centauro), mas verdade seja dita: o moço também, nas horas românticas, até contratava serenata para ela, levando Luís Melodia para cantar em sua janela a clássica "Juventude Transviada". A ascensão de Lucinha se dá por ela ingressar no mundo da zona sul, residindo perto da praia, e novamente temos o namorado/noivo/futuro marido (como em Selva de Pedra, post anterior a este) implicando com o trabalho da mulher, pois Silviano não queria que ela trabalhasse como manequim (hoje  modelo) depois de casada.



Segundo Janete Clair, surpreendentemente o par Betty e Lima agradou ao público e eles terminaram juntos. O de Cuoco acaba casando com Eunice (Rosamaria Murtinho), a mulher que havia participado do assalto e que estava sendo chantageada pelo amante Miguel (Zanone), que ameaça contar tudo ao seu marido ,Ricardo (Moacyr Deriquem). Na versão marido de madame da zona sul, saiu o bigodinho, mas Carlão manteve as costeletas - moda nos anos 70.



Nas tomadas dos personagens moradores do além tunel, Copacabana era a preferida, além do centro do Rio. Observem a placa do fusca de Rosamaria ainda com o antigo estado da Guanabara - GB, que já havia mudado há um ano!


Um dado  interessante foi a criação do Dr. Percyval (Milton Gonçalves), psicólogo renomado, contratado para cuidar de Vilma (Débora Duarte), que não aceita a morte da mãe Mafalda (Isolda Cresta)  e nem que ela seja substituída por Lúcia. Foi o primeiro papel de Milton em que ele não fazia um personagem pobre, como sempre era destino dos negros, embora o médico não tivesse família e tivesse sido proibido, pela censura, de desenvolver um romance com Vitória (Tereza Amayo), a filha mais velha de Silviano.
A censura, aliás, também tratou de unir o personagem gay Roger (Nestor de Montemar) com a "solteirona" Djanira (Maria Pompeu).
Ousada, igualmente, foi a inserção de uma prostituta na tela da família brasileira no horário das 20:00 que vivia sendo chantageada pelo gigolô e levando, clara, tapas dele, mesmo já morando com o pai e o irmão, como assim o quis a Dona Censura. Quando Elisete (Leina Krespi) aparecia, lá vinha o Wando cantar: "Moça, me espere amanhã... sei que já não és pura...". Na foto, está outro personagem fora do comum, o taxista e amigo de Carlão, Marciano (Lutero Luiz), que vivia dizendo ver discos voadores, tomando uma antiga Brahma (sim, passam os anos e nas novelas cerveja ainda é a bebida dos suburbanos) - observem o rótulo.  Agora, imaginem se isso seria possível hoje, com a Lei Seca, dois taxistas tomando cerveja na hora do almoço... 


Os sete filhos de Salviano Santiago, que não davam a mínima para o velho (como chamavam um senhor de 50 anos na época!), raridade era juntá-los, como estão na foto abaixo: Luiz Armando Queirós, o playboy, Tereza Amayo, a casada infeliz, Marco Nanini, o tecnocrata que morava nos EUA, Débora Duarte, a pirada, João Carlos Barroso, que vivia encostado em casa e Lauro Góes, aliás, cursava Faculdade de Letras na UFRJ ao mesmo tempo que em que gravava a novela. Hoje, parece que ele é professor de lá. Na trama, ele se envolve com Emilene, mas resolve ficar com a batina, talvez para evitar problemas com a igreja em plena ditadura...
Após a ascensão social (a emergente Lucy Jordan - nome de guerra de Lucinha), ela tira a irmã mais nova da fábrica e a matricula em um curso noturno. Por isso, passamos a ver Emilene andando para cima e para baixo com uma prancheta na mão. Não sabe o que é uma prancheta?

A cena final da novela, gravada no metrô do largo da Carioca, ainda em construção, é emblemática. A morte de Carlão, quando ele resolve devolver o dinheiro, as cenas do casamento de Lucinha e Salviano tendo como fundo musical o excelente samba e a linda voz de Paulinho da Viola. A Globo fez um remake, mas eu não gostei, a começar pela abertura, com o samba assassinado por Alexandre Pires. 



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